O pedágio da morte

Por Pedro Ivo Rodrigues

Todos os dias abundam no noticiário os crimes mais atrozes e por motivos mais absurdos. O cidadão ordeiro, que teme a lei e é impotente para se defender e aos seus,  fica enfatuado por uma overdose de informações sobre crimes, corrupção e impunidade. Parece que se vive numa selva sem lei, onde tudo é permitido aos malfeitores de diversos calibres. É como se bandido fosse uma profissão glamourosa (quando se trata de políticos ou outras autoridades) ou sinal da mais máscula valentia (criminosos das classes baixas). Até cantores de rap e estilos musicais semelhantes exaltam o poder das armas de fogo e organização das gangues. É como se o homem pacato e honesto fosse um feminóide ou atrasado mental na escala darwinista de luta por ascenção social e consequente seleção natural.

Nem é preciso dizer o quanto essa filosofia é deletéria ao ideal de sociedade civil organizada, uma vez que seus representantes e instituições não sabem qual a providência a ser tomada diante da abominável violência que a ameaça diretamente, tendo em vista um código penal feito por gângsteres que legislam em causa própria e por isso criaram as inúmeras brechas pelas quais se safam incólumes das consequencias das suas movimentações financeiras ilícitas.

A violência que inunda os meios de comunicação é produto, primeiramente, da cultura do “macho latino-americano”, uma cultura esdrúxula que faz do homicida um ícone da virilidade, como se atirar em alguém, desarmado e desprevenido, fosse um ato de extrema coragem e bravura. Por essa ótica, são coisas de “homem”: assassinar o mau pagador, um desafeto ou até mesmo um motorista que proferiu impropérios numa discussão de trânsito. Assim, tirar a vida de uma pessoa seria uma “decisão” da própria vítima e não do autor do crime, já que “homem que é homem” não leva desaforo para casa…

Por outro lado, a questão social é relevante demais para ser desconsiderada. Vivemos num apartheid social, uma diferença gritante em termos de qualidade de vida entre os diferentes estamentos da nossa coletividade. Falar sobre mansões e barracos é chover no molhado, mas há uma deturpação dos papéis atribuídos na tragédia brasileira. Os ricos não são culpados do fato dos pobres serem pobres, pelo contrário, geram empregos e renda, além de riquezas para o país. Os miseráveis do Brasil vivem em condições ultrajantes porque descendem, em sua maioria, dos escravos africanos que por séculos aportaram nestas paragens e que, após a abolição da escravatura, em 1888, permaneceram nas mesmas condições, migrando das senzalas para os barracos. É certo dizer que são um subproduto da colonização portuguesa, uma herança deixada pelos ibéricos no Novo Mundo. E, com a negligência dos sucessivos governos republicanos, que não estabeleceram programas de planejamento familiar, nem medidas compensatórias aos afrodescentes e muito menos oportunidades iguais de inserção no mercado de trabalho, instalou-se o caos das favelas por todo o país.  Como em nosso estado patrimonialista a reforma agrária é quase que um “sacrilégio”, uma ofensa ao dogma da propriedade privada, temos uma nação de servos e de coronéis, que, diferente dos empresários, não geram empregos nem renda, a não ser para si mesmos e para as autoridades que corrompem quando lhes é conveniente. O latifúndio improdutivo é a grande oportunidade desperdiçada pelo estado brasileiro no enfrentamento da criminalidade galopante que ensanguenta as zonas urbanas, em particular das grandes metrópoles. Milhares de vidas poderiam ser poupadas de um fim prematuro se lhes fosse ofertada uma possibilidade de recomeço no campo.

Enquanto isso, o jovem pardo das periferias mata e deixa-se matar para provar a todos que não é invisível. Deixou a pasmaceira dos covardes para entrar glorioso no cemitério, o Valhalla dos valentões tupiniquins. Esse é o pedágio da morte, cobrado dos fracos e oprimidos que querem se passar por fortes.

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